James Fox dá aulas em cadeias e escreveu um guia para detentos.
Em entrevista, ele diz que no início a prática era vista como para 'maricas'.
Giovana SanchezDo G1, em São Paulo
Ele fica na mesma sala que homens condenados por homicídio, estupro, tráfico de drogas e outros tipos de crime, e consegue manter silêncio absoluto por, pelo menos, uma hora e meia. Há mais de 10 anos, o americano James Fox ensina técnicas de ioga e meditação para presos em cadeias dos EUA. Nesse tempo, ele conseguiu formar alguns professores de ioga e ajudou milhares a "mudar seu estado mental violento e compulsivo". Com até 20 alunos por turma, as aulas agora têm lista de espera.
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James Fox atuando em prisão americana (Foto: Divulgação)
G1 - Quando você começou o projeto?
James Fox - Comecei o projeto há quase 11 anos, ensinando garotos de risco. Isso foi logo depois que virei professor de ioga e sabia que queria focar na karma ioga. Eu me interessava pela prática que buscava levar a ioga para a população que não tinha acesso. Então comecei a ensinar em uma instituição de recuperação de jovens infratores. Eram jovens que tinham problema com a família ou com a lei e muitos deles tinham problemas psicológicos, tomavam remédios fortes. E foi lá que eu comecei. Eram 24 garotos de 12 a 18 anos. Ensinei por aproximadamente 6 anos.
Um ano depois de ter começado esse programa, uma organização não governamental que fazia trabalhos para centros de detenção juvenis me chamou. Ensinei lá por alguns anos. Uma outra organização que fazia trabalhos na prisão estadual de San Quentin, na região da baía de São Francisco, estava montando um programa multidisciplinar de reabilitação para os prisioneiros e me chamou para instalar a parte de ioga e meditação do programa.
G1 - E como foram os resultados desde que você começou o trabalho?
James Fox - Bom, no começo foi muito difícil. Era difícil ensinar jovens encarcerados, porque estava lidando com adolescentes. É um período da vida em que nós nos rebelamos naturalmente. Mas ao mesmo tempo tinha bons resultados. Exigiu persistência e criatividade para encontrar jeitos de atingir os jovens. Por exemplo, usava muita música para ensinar técnicas de meditação.
Guia para práticas escrito por James e ilustrado
pelos presidiários é distribuído gratuitamente
(Foto: Divulgação)
Depois, meu trabalho com os homens de San Quentin foi difícil no começo porque a ioga é considerada uma prática de mulheres ou "maricas". Então era difícil fazê-los ir às aulas, que eram opcionais. Tinha poucos alunos.
Mas, com o tempo, diria que depois de um ano, espalhou-se a ideia de que a aula de era séria, que realmente os ajudava com a ansiedade e também era um bom exercício físico.
Na verdade há dois desafios em se trabalhar com presidiários. Um é fazer os homens participarem e o outro é trabalhar com os agentes penitenciários, que também achavam que era um programa de "maricas". Nós não tínhamos muito apoio deles para o programa.
G1 - Como são as aulas?
James - Cada sessão é de uma hora e meia. Ensino 4 aulas por semana para 4 grupos diferentes de homens. Foco muito no que é chamado de "mindfulness", que é o derivativo de "vipassana", um tipo de meditação não religiosa que nos EUA se chama meditação 'mindfulness'. É uma prática de autoconscientização, de deixar ir embora o pensamento e se concentrar no corpo e na respiração para permanecer autoconsciente.
O modo como introduzo a prática de ioga é sempre esse, se estamos em movimento ou sentados. É uma introdução de disciplina, de deixar de se preocupar com o pensamento e conectar a mente e o corpo. Tem muita pesquisa feita com essa técnica que mostra os benefícios para o alívio do estresse, para o déficit de atenção e para coisas como o transtorno de estresse pós-traumático.
O que ganhei com as aulas de ioga foi uma estrada para viver uma vida bem mais viva. Aprendi que posso viver o presente com um cuidado que nunca achei possível e ter uma vida saudável, fundamentada e verdadeira."
Presidiário identiicado como T.L.O.
Esse é o fundamento da prática, mas, sabendo que a maioria das questões que os prisioneiros enfrentam são relacionadas com vícios (ao menos 80%) e violência, o que procuro fazer é mostrar para eles que a ioga é uma habilidade que pode ser usada para ajudá-los na recuperação. É uma prática que te ajuda a experimentar o autocontrole.
Essa é a diferença de uma aula para o público, o professor não estaria falando como a prática ajuda na reabilitação, nas tendências violentas.
Geralmente as pessoas olham para os presidiários como seres inferiores. E, de verdade, os presos são um reflexo da sociedade. Questões de vício e violência são comuns na sociedade, tenho certeza de que é similar no Brasil. Temos essa epidemia de vícios de várias substâncias e a violência, que nos desconecta completamente de quem nós somos.
Acho que existem muitas oportunidades para estender a prática de ioga para outras instituições de reabilitação.
G1 - Qual é o retorno que você tem dos presos?
James - Fiz uma lista de frases de presos contando como as aulas os ajudaram. Há muitos que continuam em contato comigo depois de libertados e eles ainda me dizem que lembram de coisas que aprenderam na prisão que os ajudam.
G1 - Muitos continuam praticando?
James - Sim, embora seja difícil para eles, porque a maioria das aulas é oferecida em estúdios, são caras e quando eles deixam a prisão a primeira coisa que eles têm que fazer é achar um lugar para morar, arrumar um emprego. Às vezes, eles estão separados das famílias e têm muitas outras prioridades. Mas vários acabam praticando sozinhos ou acabam achando um jeito de praticar alguma coisa.
G1 - Em quantas prisões você trabalha?
James - Trabalho nessa principal em San Quentin, no entanto o que tenho feito no último ano é viajar pelos Estados Unidos oferecendo treinamentos para professores de ioga que queiram ensinar em prisões. Como resultado disso, também ajudo professores a fazer contatos com prisões em diferentes partes do país. Também viajei para a Noruega para ajudar a montar um programa parecido nas prisões de lá.
Presidiário faz posição de ioga na prisão de san Quentin (Foto: Robert Sturman/Divulgação)
G1 - Você já viveu alguma situação perigosa na prisão, durante as aulas?
James - Bem, sim. Quando ensino não existem guardas comigo, fico sozinho na sala com os homens - o que é um dos motivos pelos quais em San Quentin eles não permitem que mulheres ensinem. Sempre existe uma chance de alguma coisa acontecer. Você nunca sabe, às vezes pode ter dois presos na mesma turma que têm alguma questão um com o outro. E houve uma vez em que dois deles quase brigaram. Eu interrompi.
Já fiz alguns cursos de prevenção de violência, resolução de conflitos, essas coisas, então não tenho só treinamento em ioga, tenho também em outras áreas necessárias para esse trabalho.
A ioga me ajudou a sair de um lugar negro."
Preso identificado como J.G.
Houve outras vezes em que achei que seria atacado. A primeira vez foi talvez no segundo ano em que estava lecionando. Tive medo, mas soube que era muito importante lidar com a situação. O que poderia fazer é usar o apito - nós temos que carregar um apito. Tinha um homem que estava muito bravo comigo porque disse que ele não poderia entrar na sala com comida e ele não gostou. Ele voltou com dois amigos e eles foram muito agressivos. Pensei que iam me atacar. Tinha uma sala com 11 alunos e pensei: ok, se eu usar o apito nenhum dos outros alunos voltarão pra aula de novo.
O que fiz foi explicar muito calmamente que queria que todos considerassem a aula como um espaço separado da prisão. E, mesmo que estivéssemos dentro de uma, queria que por uma hora e meia eles não se sentissem como presidiários. E que era o responsável por manter aquele ambiente para que todos pudessem ir para a aula e saber que era um ambiente de paz e tranquilidade. Aí, ele concordou e parou de ir às aulas duas semanas depois.
Isso acontece porque algumas pessoas não estão prontas para vivenciar a paz, a tranquilidade e a ausência de estresse, de jogos mentais praticados entre os presos. Eu não tolero isso. Não nas minhas aulas.
G1 - Eles não estão acostumados com isso, né?
James - Não, eles não estão acostumados com esse nível de consciência. Eles estão habituados a desafiar as pessoas para demonstrar que estão no comando: 'hey eu sou o rei aqui'.
G1 - E você também treina alguns presos para serem professores?
James - Sim, eles não têm um certificado oficial, mas deixo alguns darem parte das aulas. Também ajudo a levantar fundos para alguns presos que querem ser professores quando sair, para que consigam bolsas de estudo.
G1 - E como você se sente em relação a tudo isso? Vale a pena?
James - Ah, sim, não existem dúvidas quanto a isso. Às vezes, penso e vejo que já ensinei milhares de presos nesses últimos 10 anos. Escrevi um manual de ioga e meditação para presidiários em 2009 e eu o envio de graça para os presos dos EUA que me pedem - e também está disponível no meu site. Já enviei mais de 500 livros e recebo cartas de retorno deles dizendo que estavam presos há tantos anos e que o livro significou tanto para eles, pois agora têm uma prática que podem aprender sozinhos.